Seu Carpete, Patrimônio de Todos. Uma Reflexão sobre Sustentabilidade em Facility Management

Compartilhe esse post

Seu Carpete, Patrimônio de Todos. Uma Reflexão sobre Sustentabilidade em Facility Management

Por: Ana Cláudia Morrissy Machado

Muito se fala de sustentabilidade, mas eu fico me perguntando o real sentido disso para as empresas e para as pessoas. Dados de 2020 apontam que mais de 37 bilhões de toneladas de CO² foram emitidas para a atmosfera, desafiando o cumprimento das metas mundiais estabelecidas no Acordo de Paris. Desse total, mais de 2 bilhões de toneladas são do Brasil, colocando nosso país como o sexto maior emissor mundial de gases do efeito estufa.

Tudo isso me serve como um sinal de alerta pessoal e profissional e assim, há tempos, venho direcionando minhas ações na área de facilities para caminhos mais sustentáveis, para tomadas de decisão que levem em conta o custo dos serviços e os benefícios que a solução traz, em especial quando se fala de sustentabilidade.

Foi por isso que em 2018, depois de ser acessada por um fornecedor, decidi sobre a mudança do processo de limpeza do carpete.

Essa decisão não foi rápida, nem fácil, pois era preciso ter certeza do que o fornecedor estava oferecendo tanto em termos da segurança para a saúde dos funcionários como, também, no que tange os resultados sanitários decorrentes desse novo processo.

Começamos, então, estudando os layouts de um site da Shell e definido áreas de alto e baixo tráfego que iriam ser limpas com frequências distintas. Depois, o time de segurança do trabalho analisou uma amostra do produto usado na limpeza a seco para que se tivesse certeza de que sua composição química era inofensiva à saúde. Por fim, propusemos limpar 1 dos andares da empresa com o método tradicional, a água, enquanto o fornecedor limpava outro andar semelhante com o processo a seco. Tomamos o cuidado de adicionar a este teste, um estudo microbiológico em ambos os lugares, antes e depois das atividades.

Os resultados? O processo a seco mostrou-se muito mais eficiente nas três vertentes que nos eram importantes: segurança sanitária, custo e sustentabilidade, sendo que para essa última, comprovadamente, muito menos água e energia elétrica foram consumidas no processo. Assim, decidimos mudar o processo de limpeza do “a água” para o “a seco”, utilizando a técnica apresentada pela empresa MilliCare que se comprovou segura e eficiente, atendendo nossos padrões de qualidade.    

Em 2020, quando a pandemia começou, quando todos os questionamentos quanto à transmissão do vírus do COVID através de superfícies se intensificou e quando os profissionais de facilities sofreram uma pressão ainda maior que a usual para reduzir custos e comprovar a eficiência dos processos de limpeza, o carpete chamou novamente minha atenção, fazendo-me abraçar o assunto para estudá-lo de novo, dessa vez em detalhes.

Questionamentos sobre a real eficiência do processo a seco sobre o tradicional, quantidade de água e energia consumidas e footprint de carbono capturado nesse processo precisavam ser respondidos. Para tanto, escolhi um site da Shell, no centro do Rio de Janeiro, como piloto desse estudo.

Trata-se de um site de 8 andares, com 8.450m² de área acarpetada, dividida em zonas de alto tráfego que, devido à tonalidade do carpete, precisam ser limpas seis vezes ao ano e áreas de menor trânsito, cujas limpezas são efetuadas quatro vezes por ano. Essa configuração implica em 39.000m² de área de carpete a ser limpa ao ano.

Para avançar com o estudo, foi necessário dividi-lo em três partes: cálculo da água consumida no processo a seco e no tradicional, cálculo da energia consumida apenas por ocasião da utilização dos equipamentos de limpeza do carpete e cálculo da energia proveniente do ar condicionado necessário à secagem dos ambientes onde o processo tradicional tivesse sido executado.

Todos os dados de suporte necessários ao estudo foram fornecidos pela MilliCare, pela Sodexo (através de bechmarking com operações em outros clientes ou através de empresas parceiras), pela BRPRA (gestora do condomínio Ventura) ou obtidos em sites oficiais do Governo Brasileiro.

Iniciei a análise verificando o volume de água utilizado em cada um dos processos. Comparando os valores em ambos os processos, ficou clara a eficiência de 96% do processo a seco sobre o tradicional.

Estamos falando de 15.600 litros de água usados no processo tradicional, contra 600 litros usados no processo a seco, uma diferença que equivale ao consumo de 75.000 copos d´água (200 ml cada) ou a hidratação de 7.500 pessoas.

Parti, então, para a verificação da questão energética calculando, primeiro, o consumo de energia ocorrido apenas pelos equipamentos de limpeza, nos momentos de operação.

Com base nos dados operacionais da MilliCare, os equipamentos de limpeza a seco consomem 85,21 KWh para a limpeza da totalidade da metragem quadrada anual. Para a mesma metragem, dados obtidos pela Sodexo informam que o serviço realizado por extratoras eficientes consomem, em média, 783 KWh, o que denota uma eficiência de 89% do processo a seco, com redução do uso de energia em cerca de 698 KWh/ano.

Essa energia não utilizada pelo processo a seco seria suficiente para atender 133 dias de consumo de uma casa padrão brasileiro que demanda, de acordo com dados governamentais, 157 KWh/mês. Estendendo-se a comparação da energia e utilizando-se como base o Balanço Energético Nacional, a energia não consumida no processo a seco poderia atender, aproximadamente, 4,5 casas padrão brasileiro, levando energia elétrica a cerca de 20 pessoas.

O segundo ângulo de observação, que é raramente levado em consideração nas tomadas de decisão, está ligado a energia gasta pelo ar condicionado usado na secagem dos espaços em que a limpeza tradicional foi realizada. Este foi o segundo cálculo realizado.

Cumpre lembrar que a limpeza do carpete só deve ser feita em finais de semana por demandar, além da quantidade de horas para a execução da atividade, pelo menos 24 horas adicionais (com ar condicionado ligado) para a secagem das áreas. É essa conta que quase ou nenhuma empresa faz ao avaliar o custo final da atividade e a emissão de carbono daí decorrente.

Os dados operacionais levantados pela Sodexo mostram que um fornecedor, que apresente processo eficiente de extração, usa entorno de 18h de um final de semana para limpar cerca de 1.300m² de carpete. Acrescente-se a esse tempo, mais 24 horas de ar condicionado ligado para que a secagem do espaço ocorra. Nisso, tem-se uma operação que demanda, em geral, 42 horas de uso de ar condicionado.

Os dados fornecidos pela BRPRA, gestora do edifício Ventura que é eficiente em termos energéticos, aponta um consumo de 466,87 KW/h decorrente do sistema de ar condicionado, o que perfaz um consumo de 19.608,54 KWh por fim de semana.

Continuando o raciocínio, seriam necessários 24 finais de semana para que os 39.000 m² anuais fossem limpos pelo sistema tradicional, o que representaria um gasto total de, aproximadamente, 470.605 KWh ao ano.

Falando em termos financeiros, esse gasto energético equivaleria, apenas para o espaço representado pelo site em questão, a uma conta adicional de R$5.255,50 por fim de semana ou, em termos anuais, a R$78.850,00.

Finalizando esse ponto e traçando comparativos, pode-se dizer que a economia energética decorrente de não uso de ar condicionado pelo processo a seco, equivale, com base nos padrões nacionais, a 89.934 dias de consumo de uma casa brasileira, atenderia, aproximadamente, a 17.196 casas e levaria energia elétrica a cerca de 68.783 pessoas. 

E o que isso tudo significa em termos de pegada de carbono?

Com base no cenário apresentado e comparando os processos de limpeza, buscou-se, no Balanço Energético Nacional de 2021, do Ministério das Minas e Energias, o fator de conversão de KWh para kg de CO² (1 KWh ~ 7,88 kg CO²).

O valor encontrado para a limpeza e higienização dos 8.450 m² estudados, aponta uma redução de emissão de CO² na ordem de 37,1 ton/ano, mostrando a eficiência do processo a seco em detrimento do processo tradicional.

Cumpre frisar que essa quantidade de CO² evitada equivaleria à derrubada de 265 árvores, ao consumo de 21.343 litros de gasolina ou 80 botijões de gás, além de cerca de um deslocamento de 213.430 km em um carro a gasolina.

A Tab.1 resume os valores apresentados nesse estudo e mostra a expressividade deles. Em um cenário de busca por ações sustentáveis a serem realizadas dentro das organizações, reavaliar atividades operacionais pode trazer quick wins que a grande maioria das empresas poderia aproveitar.

Tabela 1 – Comparação dos Resultados Obtidos pelos Processos de Limpeza e Higienização de Carpete a Seco e Tradicional

Processo a SecoProcesso Tradicional (Extração a Água)
ÁguaÁgua
Utilização/área total – 603,85 litrosUtilização/área total – 15.604,85 litros
Eficiência de 96%
Energia (Somente equipamentos de limpeza)Energia (Somente equipamentos de limpeza)
Utilização/área total – 85,21 KWhUtilização/área total – 783 KWh
Eficiência de 89%
Energia (Uso de ar condicionado para secagem)Energia (Uso de ar condicionado para secagem)
Utilização/área total = Não aplicávelUtilização/área total – 470.605 KWh
Custo Ar Condicionado/área total = Não aplicávelCusto Ar Condicionado/área total = 78.850,00/ano
Energia Total (Equipamento + Ar condicionado)Energia Total (Equipamento + Ar condicionado)
Utilização/área total – 85,21 KWhUtilização/área total – 471.388 KWh
Eficiência de 99,98%
CO² Emitido no Processo de LimpezaCO² Emitido no Processo de Limpeza
6,72 kg CO²37.145,37 kg CO²
ECONOMIA DE 37.138 kg CO² ~ 37,1 ton CO²

Enfim, a presente reflexão mostrou como uma mudança de processo, feita de forma eficiente e calcada em dados científicos, pode trazer resultados positivos e impactantes para a Shell.

É importante ressaltar, em primeiro lugar, a condução do processo de mudança que envolveu todos os players desde o início, comprometendo os funcionários e permitindo que eles acompanhassem, entendessem, opinassem e se sentissem parte do processo decisório. A escuta ativa e a abertura ao novo (tanto das pessoas como do espaço empresarial) permitiram que uma nova solução de limpeza e higienização de carpete fosse conhecida e testada. A inovação proposta demandou mudanças e ajustes internos para que o novo processo fosse implantado, acompanhado e se sedimentasse como uma boa prática.

Não menos importante, foi a consistência do serviço realizado que permitiu que as suspeitas e dúvidas ocorridas no início da pandemia do COVID-19 quanto ao caráter virucida do carpete pudessem ser paulatinamente esclarecidas à medida que novos dados e comprovações científicas surgiam no cenário organizacional.

Em paralelo e fruto de todo esse cenário, surgiram questionamentos sobre quão sustentável é o processo de limpeza e higienização a seco do carpete, fato que levou um grupo de pessoas ao estudo do assunto.

Chegou-se, assim, a uma eficiência de quase 100% do processo a seco se comparado ao tradicional e a uma quantidade substancial de CO² que, anualmente, deixa de ser enviada à atmosfera, ajudando a atenuar o efeito estufa, contribuindo para o tripé ESG da empresa e indo ao encontro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Cumpre ressaltar que o cálculo apresentado é referente à metragem quadrada de área acarpetada de um único site da Shell, o que significa que o impacto total ao contabilizar todos os sites da empresa é expressivamente maior.

Além desses aspectos, é imperativo mencionar o caráter de replicabilidade do estudo para outras empresas, em todas as indústrias, uma vez que a quase totalidade delas utiliza o carpete. Soluções sustentáveis normalmente demandam investimentos que podem não estar consoantes com o momento financeiro das empresas. O processo em questão, por outro lado, é um ajuste fácil para as organizações por já possuírem o ativo. Em um primeiro momento, pode-se até pensar que o custo do processo a seco será maior do que o tradicional, o que não é uma verdade. Para o site foco do estudo, por exemplo, o custo do processo a seco (valor do serviço cobrado pelo fornecedor) ficou 12,5% mais barato que o processo tradicional.

De qualquer forma, a diferença financeira iria se tornar gritante quando se levasse em consideração o valor do ar condicionado para a secagem do carpete, uma vez que ele será pago direta ou indiretamente pela empresa.

Para exemplificar, o consumo total de energia para o processo seco, com base no caso apresentado do site do Ventura, é 0,018% do consumo do processo tradicional, o que evita o pagamento de uma conta de energia adicional na ordem de R$78.850,00/ano. Ao comparar preços, os gestores de facilities precisam confrontar o preço final do fornecedor que faz o processo a seco, com o preço final do fornecedor que faz o processo tradicional, acrescendo esse último do valor da conta de água e da conta de energia devido ao sistema de ar condicionado usado para secagem.

Só assim será possível ter uma visão precisa do assunto e tomar uma decisão consciente que leve em consideração todos os aspectos correlatos a cada processo. Por fim, cumpre relatar que o método tradicional reduz em 2/3 a vida útil dos carpetes, obrigando desembolso financeiro para sua disposição correta em aterro sanitário e para substituição de um ativo sabidamente caro. Não menos importante, cabe enfatizar que essa troca mais frequente, bem antes do término da vida útil do carpete, aumenta a geração de um resíduo à base de polipropileno que causa um impacto ambiental adicional uma vez que sua decomposição leva de 250 a 400 anos para ocorrer.

E depois de tantas horas pensando e calculando todos esses valores, peguei-me cogitando sobre quantas outras pequenas decisões que gerem tão significativos impactos podemos fazer em nosso dia a dia de forma a buscarmos processos cada vez mais conscientes, seguros e sustentáveis? Pequenas ações, grandes impactos! Fica o convite a essa reflexão.