Quanto custa um parafuso?

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Quanto custa um parafuso?

O questionamento que ilustra este artigo pode parecer um pouco simplório; no entanto, creio eu, aguça-nos a curiosidade saber que me refiro não a um parafuso genérico, cujo seus pares ostentam um mesmo valor, mas a um bem especifico que, embora seja aplicado na fixação de acabamentos de torneiras, seu valor final alcançou a módica quantia de U$150.000,00.

Não, este artigo não se trata de corrupção, vendas superfaturadas ou mesmo valorização de algum ativo no mercado financeiro. Está estritamente ligado à nossa área de engenharia e manutenção. Trata da qualidade do serviço prestado, da aplicação correta dos insumos, conforme especificação de projetos e folha de dados técnicos; do uso correto das determinações de um memorial descritivo; da diferença no perfil comportamental entre o bom e o mau profissional; e, principalmente, da capacidade de um líder de extrair o melhor de seus liderados.

O relato que se segue é um fato vivenciado por este autor, diretamente.

Era madrugada de uma sexta-feira, eu atuava como supervisor de manutenção em uma Unidade Hospitalar. Então, um colaborador de minha equipe recebeu um chamado por volta das 02:00, para verificar um vazamento em uma das salas do Centro Cirúrgico do Hospital.

Chegando ao local, o plantonista percebeu que havia um vazamento de água, facilmente detectado. Ao investigar, observou-se a fonte por entre os tijolos da laje, no entreforro; mediante a isso, foi iniciado o procedimento padrão para esse tipo de ocorrência.

Foram desligados os equipamentos próximos ao ponto de vazamento, interditou-se a sala, e deu-se início à busca pela fonte do vazamento.

A sala cirúrgica ficava no subsolo, como o vazamento estava intermitente, a equipe demorou mais tempo para encontrar a origem, que fora localizada em um dos leitos de CTI, no pavimento térreo, imediatamente acima da sala cirúrgica. Inicialmente, estávamos apostando em algum rompimento de tubulação ou entupimento de algum ponto de drenagem; no entanto, a descoberta da causa primária surpreendeu a todos.

Havia, em cada leito de CTI, uma torneira fixada na parede a cerca de 20 cm do piso para a conexão das máquinas de hemodiálise. Esse procedimento ocorria de acordo com a necessidade do paciente que estava no leito; logo, nem sempre as torneiras eram usadas. Por isso, o vazamento se apresentava de forma esporádica.

Após remover a torneira, percebeu-se que o acabamento dela havia sido fixado com dois tipos de parafusos diferentes: um parafuso pequeno de 15 mm de comprimento e ponta chata; e, outro, com 35 mm de comprimento e ponta broca, usado para fixação de placas de Drywall.

Quando o parafuso maior foi inserido na fixação do acabamento, devido ao seu tamanho excessivo e ponta perfurante, ele vazou a parede e furou a tubulação do dreno da torneira. O próprio parafuso vedava, inicialmente, o buraco que abrira na tubulação; mas, com o passar do tempo, as movimentações de uso na torneira e a pressão da água fizeram com que ele cedesse. E o aumento do fluxo e a pressão na linha causaram o vazamento pelo furo do parafuso que fora, de forma inadequada, “aproveitado ali no local”.

Em geral, esses kits de acabamento já vêm com os parafusos de fixação; talvez, no momento em que se manuseava a embalagem para abri-la, um parafuso tenha sido perdido, mas o serviço precisava ser feito. Ou, talvez, não houvesse um reserva igual ao original, ou não se tenha pensado em comprar outro para substituí-lo. Afinal, era apenas um parafuso; que mal faria? Certamente nenhum! Provavelmente pensou assim o instalador; porém o fez.

O colaborador que decidiu improvisar com o parafuso não poderia prever que aquele vazamento, fatidicamente, iria fazer com que a água escorresse sobre a placa eletrônica de controle do foco cirúrgico da sala do andar debaixo.

Ele não poderia prever que queimaria o drive e alguns outros componentes. Menos ainda poderia prever que o reparo de todos os danos, por se tratar de um equipamento importado, ficaria orçado em U$ 150.000,00.

É evidente que ele não poderia prever. Mas, na verdade, ele não precisava prever o caos, imaginar a desordem, ser pessimista e pensar sempre no pior.

Era necessário, apenas, que este colaborador fizesse o seu trabalho corretamente. Bastava apenas fazer conforme orientação do fabricante e usar os parafusos corretos para aplicação.

O parafuso que seria facilmente achado em qualquer esquina por R$ 0,20 evitaria, agora, o custo de $150.000,00.

Algumas análises podem ser feitas diante dos expostos acima. Existe uma cultura de trabalho equivocada que precisa ser modificada: uma cultura de ‘’improviso’’, de ‘’jeitinho’’, de ‘’deixar assim, pois ninguém está vendo’’, ou mesmo de ‘’deixar assim, pois, se der problema, não estarei mais aqui’’.

Mudar a cultura de uma pessoa, de uma equipe, ou mesmo de uma empresa é, sem dúvidas, um dos maiores desafios da liderança. Resistência à mudança faz parte da cultura organizacional das empresas.

Segundo Campos, todas as diretrizes e processos devem ser perfeitamente compreendidos por todos para uma implantação bem-sucedida. As pessoas devem ser capazes de internalizar os processos. Mas, para isso, elas precisam se convencer de que aquela é realmente a melhor forma de se executar uma tarefa. Assim, talvez um dos pontos mais difíceis nesse processo é fazer com que as pessoas realmente mudem seus hábitos e comprem a ideia da mudança.

Quando lideramos equipes e delegamos tarefas, o fazemos na crença de que as pessoas terão a maturidade e o profissionalismo de cumprir suas tarefas, com a premissa de entregar a melhor qualidade na maior brevidade possível.

É impossível, para um líder, dispor de tempo para acompanhamento full time de toda sua equipe. Quando lideramos, depositamos crédito de valor e confiança no profissional que está ao nosso lado.

Mas, quando nos deparamos com profissionais cuja a formação se deu em um ambiente tóxico, de liderança duvidosa, percebemos o desenvolver de uma cultura ignorante ao sentido da qualidade, que consegue transformar um custo de R$ 0,20 em uma despesa de U$ 150.000,00.

Cabe a nós, líderes, criarmos dispositivos que nos permitam melhor conhecer nossa equipe, melhor fomentar na equipe o desenvolver de uma cultura de trabalho, cujo o valor agregado da confiança depositada garanta um retorno viável ao bom desenvolvimento das atividades.

A reflexão que faço nesse artigo, não é pela previsibilidade caótica, mas pelo fomento de uma cultura profissional de trabalhar corretamente, de se assumir compromisso e responsabilidade com as demandas e atividades que nos sãos confiadas.

Nossas ações, por mais simples que sejam, podem gerar impactos significativos no ambiente e na vida das pessoas ao nosso redor. Devemos agir com consciência, batalhar para nos tornamos os melhores líderes que formam os melhores profissionais possíveis.