Não olhe para cima: o negacionismo na engenharia

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Não olhe para cima: o negacionismo na engenharia

A engenharia costuma estar tão presente em minha vida que até mesmo nos poucos momentos de descanso e lazer que tenho, como assistir um filme, consegue me fazer refletir e gerar um conteúdo relacionado com a área.

Enquanto acompanhava o filme “Não olhe para cima” (2021), pude pensar em várias questões e gostaria de compartilhar um pouco delas com os leitores.

No filme, um cometa gigante capaz de destruir a terra está a caminho para devastar com toda a superfície e existência do planeta. Esse fenômeno está sendo alertado constantemente por muitos cientistas, que estão usando seus conhecimentos para obter o apoio das autoridades. Contudo, os representantes mundiais estão mais empenhados em fazer política e aparecer “bem” nas fotos, nos jornais e nos meios de comunicação, do que ouvir e avaliar as informações apresentadas pelos pesquisadores.

Quando os superiores decidem, de fato, usar meios para derrotar o cometa, novamente, aparece um obstáculo: criadores de produtos  inventaram a solução excepcional que vai salvar a todos (todos aqueles que pagaram e muito para isso); logo, essas empresas estão repetindo aquele antigo padrão conhecido por todos.

Os grandes conglomerados estão somente pensando no próprio lucro do que realmente se interessando em acabar com o problema.

Então, mais uma vez, a ciência é deixada de lado, e o estrago se instaura ao redor do mundo.

Mas você, leitor, deve estar se perguntando nesse momento:

— Priscila, o que isso tem a ver com a engenharia

É simples. Ao fazer uma ponte entre o filme e a construção civil, ocorreram alguns questionamentos: será que, como alguns personagens desse longa, nós estamos apenas confiando na tecnologia inovadora para resolver todos os problemas, inclusive os aspectos estruturais como as marquises?  Estamos de fato observando as patologias do mundo e das obras como elas realmente são??

Você já se importou em olhar para cima enquanto anda pelos centros urbanos onde as marquises estão presentes em quase todas as edificações? Sim? Não?

Pois bem, na engenharia, muitos profissionais gabaritados falam com frequência do risco; os jornais noticiam esporadicamente a morte ou um grave acidente envolvendo pessoas atingidas ou esmagadas por pedaços de concreto.

No entanto, qual projeto de lei os nossos estados já criaram ou cogitaram até o momento para determinar a obrigatoriedade de examinar e corrigir definitivamente nossas marquises? Quantas vezes os estabelecimentos foram multados pelos conselhos por não atender aos parâmetros mínimos de segurança estrutural?

O ato de não olhar para cima retira de muitos a responsabilidade de fazer o correto: CORRIGIR.

Enquanto as pessoas, os órgãos  e os municípios não sofrerem “na pele” a perda de um ente querido, ou passarem por desastres, estes continuarão a desconsiderar procedimentos relevantes como práticas de manutenção.

Muitas vezes, pelo fato de as obras não demonstrarem problemas aparentes ou tragédias anunciadas (ao contrário do filme), elas não são zeladas ou passam por processos de prevenção de danos. Elas vão sendo negligenciadas sob a crença de que suas estruturas são eternas ou de que somente um produto ou procedimento irá solucionar a anomalia por completo, quando for necessário. Isso até que o pior ocorra, infelizmente. Logo, esse comportamento precisa ser mudado.

Portanto, acredito que aqui cabe um recado, o qual foi despertado pelo filme e já observado em minhas vivências na engenharia: olhem para cima! Observem. Inspecionem. Verifiquem. Apesar das promessas comerciais, não há nenhum produto milagroso que desaparecerá com todas as anomalias e danos das marquises somente com um toque ou com o clique de botão.

Embora ainda não haja soluções tecnológicas definitivas para certas manifestações patológicas, há perdas que são evitáveis, desde que sejam perpassadas pelo nosso olhar atento e técnico, que além de enxergar, precisar cobrar e movimentar os conselhos e as autoridades para acompanhar e proteger as vidas humanas e seus bens. Pense nisso!