A influência da fase de projeto e construção nos valores de manutenção predial

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A influência da fase de projeto e construção nos valores de manutenção predial

A qualidade e eficiência das edificações são resultados diretos das fases de concepção e projeto dos edifícios. O projeto é o ponto de partida do ciclo de vida de um empreendimento, e o momento no qual se espera que sejam tomadas grandes partes das decisões e encontradas soluções que minimizem impactos ambientais, e viabilizem economia significativa em longo prazo com obtenção de menores custos de uso, manutenção e operação da edificação.

Um empreendimento imobiliário pode ser subdividido em duas fases: 1ª fase a de Concepção e Execução; e a 2ª fase a de Uso, Operação e Manutenção. Na fase da Concepção, são desenvolvidos levantamentos de dados, programa de necessidades, estudos de viabilidade técnica, legal e econômica, desenvolvimento de estudo preliminar, anteprojeto, projeto legal, memorial de incorporação, minuta de convenção de condomínio e regimento interno, projeto básico e projeto executivo. Durante a Execução do empreendimento são feitas as contratações e aquisições, a construção do empreendimento de fato, e o comissionamento. Sendo o empreendimento de fato o resultado do trabalho integrado de diversas empresas e profissionais envolvidos. Dessa multifacetada interação de mão de obra, comum na primeira fase, sempre haverá conjunturas que fugirão do planejado, e isso é comum nas construções de território nacional, por conseguinte num futuro próximo, na segunda fase da edificação a de Uso, Operação e Manutenção, tais falhas e omissões custarão caro.

Após a definição e elaboração dos projetos, inicia-se o estágio de execução do edifício. Esta etapa é caracterizada principalmente pela aquisição dos materiais e pela contratação e execução dos serviços. O exercício de aquisição dos subsídios deve ser criteriosamente pautado como uma seleção dos fornecedores que possuam produtos que atendam os requisitos mínimos e/ou critérios de desempenho definidos pelos projetistas. Portanto, deve ser acunhado com o fator qualidade e não apenas custo e aparência. Paralelamente é necessário iniciar a execução da obra em si, sendo de extrema importância à definição do tipo de contratação de mão-de-obra. Usualmente são contratados diferentes fornecedores para diferentes serviços, por exemplo, a empresa X executará a parte elétrica, a empresa Y fará as instalações hidráulicas, e assim sucessivamente, cada qual com sua especificidade trabalhando em parceria. Todo esse conglomerado de ações se não forem perfeitamente gerenciadas concederão para posteridade copiosas adversidades que cominarão em inúmeros colapsos, e dispendiosos gastos respectivamente.

No dia-a-dia da manutenção predial, muitos são os casos de corretivas que ocorrem devido ao fato de má execução inicial do trabalho, ou seja, na construção aquele sistema e/ou equipamento não foi instalado e/ou executado por profissional capacitado, gerando um ônus para a fase de uso, ou o material utilizado não era o ideal, ou a execução foi feita “nas coxas”, entre outras falhas oriundas da fase de execução. Em um empreendimento novo recém-inaugurado, a equipe de manutenção denomina esse tipo de empenho como “rabicho de obra”. Outra frase muito comum, não somente para os manutencistas, mas sim de domínio publico é que “as obras não são entregues, são abandonadas”. E isso infelizmente é mais comum do que deveria ser, devido a diversos fatores que levam na primeira fase os profissionais envolvidos a terem, por exemplo, pensamentos do gênero: “- faremos assim mesmo, e os próximos que consertem”. “-Não estaremos mais aqui quando quebrar, quem estiver aqui que resolva tal problema.” Entre outros, claro que isso não é uma regra, há casos de profissionais conscientes e responsáveis, mas de modo geral são raros, pois dependendo da situação é muito mais fácil e rápido esconder do que corrigir.

Precisamos mudar essa visão, esse pensamento egoísta e negligente. A cultura da cooperação e consideração ao próximo deve ser estendida para todos os campos, inclusive para o da construção/manutenção. Isso deve ser disseminado e entendido por todos quanto à importância do perfeito planejamento e execução, haverão vidas envolvidas, famílias que utilizarão essa construção, e esse é o principal ponto.

Além dos projetistas e construtores, há também o agente proprietário, que em certos casos, por conta da falta de conhecimento técnico, consideram a necessidade de economia, na maioria das vezes, somente durante a fase de produção (custo inicial do edifício) na qual querem gastar o mínimo possível e acabam até mesmo solicitando por serviços paliativos ou a utilização de materiais inferiores, ignorando o fato de que futuramente tudo necessitará de manutenção, e consequentemente de verbas extras para tal, as quais serão muito maiores do que seriam se ocorressem em situação normal, onde o empreendimento tivesse sido construído com o melhor existente em material e mão de obra, e obviamente sem serviços paliativos.

Os empreendimentos imobiliários, independente de qual seja a sua finalidade, comercial, residencial, hospitalar, etc., possuem algumas características que o distinguem de outros produtos industriais, a começar pela longa duração de seu ciclo de vida. No Brasil construções com 50 anos de idade são consideradas obsoletas, quando que na Europa os imóveis passam de geração em geração, tendo casos muito comuns inclusive de alguns com centenas de anos que estão em perfeito estado de conservação e são habitáveis. No entanto, dispensando essa conjuntura relacionada ao detalhamento exato da idade, basta refletir apenas neste aspecto o fato de que durante as suas várias etapas e anos de duração da edificação, diversos agentes degradadores independentes atuarão, cada qual com diferentes papéis de deterioração gerando anomalias e/ou agravando-as mais ainda as já existentes originadas por falhas incidentes durante a realização de uma ou mais atividades do processo da construção civil

Hoje se sabe que a maioria dos problemas encontrados nas manutenções prediais é proveniente de anomalias endógenas, ou seja, referentes ao projeto e construção, 1ª fase do empreendimento. Há uma ciência que discorre sobre essa temática, a chamada Patologia das edificações, a qual estuda as origens, causas, mecanismos de ocorrência, manifestações e consequências das situações em que os edifícios ou suas partes deixaram de apresentar o desempenho mínimo pré-estabelecido.

Sendo de conhecimento geral essa máxima, os problemas oriundos da 1ª fase da edificação, a fim de minimizar e tentar mitigar esse agravante, em julho de 2013 sobre território nacional, entrou em vigor nova norma de desempenho (NBR 15.575/2013), bastante polemica na indústria da construção civil. Segundo a norma NBR 15.575/2013, conhecida como norma de desempenho, cabe aos construtores e incorporadores elaborar o manual de uso, operação e manutenção ou documento similar, atendendo as normas NBR 14037/1998 (Manual de operação, uso e manutenção das edificações) e NBR 5674/1999 (Manutenção de edificações – Procedimento). A norma estabelece algumas exigências no quesito de conforto e qualidade, em cada um dos sistemas que compõem uma edificação: estrutura, vedações, pisos, instalações e coberturas. É a primeira norma a tratar da qualidade dos produtos da construção civil, bem como sua utilização pelos consumidores, se tornando assim um dos principais indicadores de desempenho de uma edificação. Pela NBR 15575 é possível realizar a divisão correta das responsabilidades entre projetistas, construtores, usuários e até mesmo os fabricantes.

Retomando o ponto central, a temática quanto à avaliação dos custos referentes ao estágio no qual são orquestrados e refletidos perante a fase de emprego da manutenção predial, não é algo novo e exclusivo, Gomes (1992) apud Resende (2004) discorrem sobre essa temática, e realizam um estudo sobre a análise do custo global (life cycle costing) que é a sugestão de uma metodologia para ser utilizada durante a concepção do edifício. Esta proposição tem como objetivo fundamental garantir a minimização dos custos durante a vida útil do edifício, permitindo definir os sistemas e métodos construtivos que apresentam as melhores relações custo/benefício entre as diversas alternativas propostas no estágio de projeto. Tal análise e visão já haviam também sido pautadas em 1987 por Seeley, quando afirma que “pequenas alterações no estágio de projeto podem proporcionar um grande impacto nos custos de operação e manutenção do edifício”.

            Ao projetar uma edificação, construtores, projetistas e arquitetos estão preocupados com a estética do empreendimento, o quão belo será o lustre da recepção principal (instalado há 22 metros de altura). A beleza do mármore travertino romano bruto (instalado no piso do jardim), as iluminações de base nos pés das árvores (instaladas no solo irrigado). Não é uma crítica negativa, os prédios e todas as demais instalações constituintes do conjunto realmente ficam belíssimos, mas muitos se esquecem de atentar para o Uso Operação e Manutenção de tudo o que está sendo construído. Ou seja, como será limpo esse lustre? Como trocarão essas lâmpadas? Será que o piso bruto instalado no jardim não irá demandar maior quantidade de água para limpar. As luminárias enterradas nos pés das árvores, em contato com a água irão desarmar os circuitos dos quadros? Quais impactos tais escolhas irão denotar? Claro que tais exemplos foram apenas ilustrativos, mas muitos desses casos são presenciados diariamente em diversas construções, sejam elas antigas e/ou modernas. Além desses pontos referentes ao projeto há também a questão do material utilizado, mão de obra empregada, etc. tudo contribui para maior ou menor custo futuro com manutenção predial.

O fomento sobre essa temática atualmente vem ganhando espaço a cada dia mais, e funções chave nas construções estão sendo empreendidas, há setores e departamentos voltados ao estudo de minimização dos impactos ambientais nas construções, no entanto, na maioria dos casos as atenções são voltadas apenas para a fase inicial da construção, poucos são os que se preocupam com a fase de Operação e Manutenção. O projeto determina de maneira importante o custo de manutenção. Tanto na seleção de materiais como na forma do edifício. Pequenos detalhes de projeto podem alterar significativamente a taxa de degradação. Como por exemplo, pode-se mencionar a existência de um detalhe no projeto de arquitetura que contemple a especificação de pingadeiras nos peitoris (frisos ou sulcos feitos em baixo do peitoril), detalhe que irá melhorar sobremaneira o descolamento da lâmina d’água do peitoril antes que esta água escorra pela fachada do prédio, sujando-a, o que irá diminuir a necessidade de pinturas nessa área.

O que seria uma boa prática durante essa fase inicial do empreendimento, seria o envolvimento dos responsáveis pela manutenção desde o início do processo, com objetivo de obter contribuições para tomadas de decisão. Este tipo de iniciativa ainda na concepção, e posteriormente no projeto, preveniria conflitos futuros, tornando a execução mais eficiente, e promovendo um ambiente harmonioso e colaborativo. Boa parte dos empreendimentos construídos, os responsáveis pela manutenção se encontram ausentes dos grupos que concebem projetam e constroem efetivamente as instalações prediais. Projetar e erigir uma instalação sem que ninguém, até no momento de partida, trate da organização e da sistematização prévias das atividades de manutenção, constitui uma grande falha.

Não há a cultura da interação dos postos de trabalho (construção x manutenção), uma nova tendência construtiva deve ser evocada e concebida, para benfeitoria da construção e melhora na mantenabilidade, levando consequentemente a menores investimentos futuros na fase de uso, operação e manutenção, a qual é a mais duradoura de um empreendimento, e por ser a mais longa é, portanto a mais onerosa e que demanda maiores investimentos financeiros, impactos ambientais e sociais. Por conta dessa falta de prática e cultura, no inicio da segunda fase, a de uso operação e manutenção, é muito comum e normal acumularem-se problemas graves e multiplicarem-se as paradas por defeitos.

Todos esses pontos passam despercebidos na construção dos empreendimentos, e não por falta de conhecimento técnico ou apenas por mérito econômico e falhas na execução. Boa parte das manutenções porvir descendem de pontos que são imperceptíveis para os projetistas e construtores, pois não fazem parte do dia-a-dia deles, somente farão diferença para os olhos dos mantenedores, que com toda certeza olharão com mais clareza para todo o contexto furtuito de mantenabilidade da edificação em questão. Por esse motivo é de bom tom que se façam presentes nas etapas iniciais, planejamento, auxiliando na projeção, na gestão da execução, entre outras atividades a fim de orientar tais melhorias e ordenar o que deve ou não ser feito com o enfoque nas provisões futuras de manutenção predial. Com isso, haverá um ganho mutuo seja para incorporadores, construtores, projetistas, manutencistas e principalmente aos usuários, isso em relação à segurança, qualidade, rendimento, acessibilidade, eficiência, e claro, custos. Boas manutenções, se cuidem, e até a próxima.